quinta-feira, fevereiro 09, 2006

O mundo em que vivemos



Há dias assim. Acordados com este arfar compassado, como se o coração nos fosse saltar pela boca a qualquer instante e, como contido, nos faz disparar água pelos olhos, engatilhada por qualquer contacto com a mais pequena insignificância. Hoje chorei outra vez, chorei por mim e por quem me provocou a dor. Chorei por aquilo que alguma vez fomos, ou que alguma vez pensámos que éramos. E chorei por aqueles que criámos e que vivem fruto de uma decisão nossa...
Ontem, um jornalista confessou-me meio emocionado que tinha sido pai há três dias, da pequena e frágil Iris. Entusiasmado falou-me da pequena grande revolução que sente dentro de si e desse poderoso sentimento que é sentirmo-nos Pais. Eu sorri e tentando demonstrar o mesmo entusiasmo tentei esconder o meu flash back. Aquelas horas, ainda tão recentes, de dor e penar, na box da maternidade e o milagre do nascimento de um e de outro. De ambas as vezes me senti totalmente desamparada e abandonada. De ambas as vezes senti que ser mãe supera todos os sentimentos negativos que aquele momento de descarga emocional comporta. O nascimento dos meus dois filhos foram os momentos mais importantes da minha vida.
E ali estava eu a partilhar isto com um estranho. A partilhar as dificuldades de se ter um filho, a mudança brutal que invade a nossa vida e a partilhar as dificuldades acrescidas de se ter dois filhos, e a mudança radical que nos é imposta por tudo novamente. Mas que é dificil mas é imensamente compensador.
E na conversa o meu interlocutor dizia-se assustado com aquilo que não controlava para dar à filha um mundo melhor. E, já depois de ele sair, fiquei a pensar na inevitabilidade de todos os pais se sentirem atingidos por uma vontade de que o mundo passe a ser meio cor de rosa a partir do nascimento dos seus filhos.
Mas isso, as conjucturas, os atentados terroristas, as catástofres naturais, os crimes macabros, os abusos sexuais, as descriminações raciais, a falta de oportunidades iguais para todos, as doenças incuráveis, a fome e a camada de ozono... e tantas outras coisas, são coisas que posso denunciar, mas não as conseguirei mudar.
Para a felicidade dos meus filhos preocupa-me mais o egocentrismo e o individualismo com que me parece que as pessoas se resguardam, preocupa-me mais a falta de respeito que temos uns pelos outros, a pouca preocupação em sabermos se estamos ou não a magoar quem nos rodeia, a facilidade que temos em conjugar mal o verbo amar, em que um dia somos um, no outro é cada um por si. Preocupa-me mais o mundo em que os meus filhos vão crescer cheio de gente pedante que olha os outros de cima para baixo, gente maldosa que vê segundas intenções nas acções dos outros para desculpar as suas próprias acções, gente cobarde que tem medo de levar as coisas até ao fim, gente infantil que não se permite ser feliz com medo de se enfrentar. Preocupa-me que os meus filhos vivam rodeados de gente que usa os outros para a sua própria satisfação, que usa, esgota e deita fora, e que vive isso consecutivamente até ao fim, sem conseguir perceber que os outros não são brinquedos nem jogos de computador que podem ser manipulados e trocados por algo mais excitante e com uns gráficos estupendos.
Preocupa-me sim, o que posso fazer para que os meus filhos possam crescer num mundo diferente deste, como posso educá-los para que consigam fugir de pessoas assim e para que eles próprios tenham exemplos de que ser feliz é respeitarmo-nos a nós próprios e saber que os outros terão de ser respeitados.

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